sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Da Av. 7 ao Samhain.


Andava com os pés na mão

Era solstício de verão.

Não sabia.

Ouvidos nas buzinas

dos vendedores de esquinas

ouvindo liquidação

Era longa a estrada infernal

bem no centro do capital

vendiam manga

calcinha

panela de pressão

pra fazer pressão.

Podia fazer um pedido

se olhasse para o céu

se ouvisse o céu

mas

É Natal!

berrava o capital

e não há tempo a perder.

Não há

não há felicidade sem grandes ofertas

não há vida sem pulseiras coloridas

não há sorrissos sem sandálias americanas.

A vida que há gira em torno do olhar

daquele que olha

sem poder participar

da festa do comprar

da guerra por pagar

da doença por.

TER.

Enquanto isso em outro mundo

um Deus dá seu último beijo em sua amada

e caminha ao país do Verão utilizando o Barco da Morte para morrer em Samhain.

Este é o único Sabá em que às vezes se fazem feitiços, pois acredita-se que seu poder mágico é muito grande.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Mulher de Klimt.


Ela olha vesgo de fogo
e de água
às vezes de terra.
Ruboriza sua face
iluminada
com conchas coloridas que
caem em meio ao amarelo
opaco
iluminado
com estrelas do mar.
A outra afunda em seus cabelos
e fecha os olhos.
Ela permanece
com três dedos de serpente
entre os seios
velando o sono.
Outra vigia
de olhos e cabelos negros
que se perdem
no vazio
onde a tinta não alcançou.
Ela olha e se prepara
pra melancolia
e pra alegria
de dizer
de viver
oculta
em seu casulo ruivo
ou amarelado.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Des apego


Ontem ela sussurou no meu ouvido
mais intensa que anteontem
me fazendo lembrar seus gestos
sua dissimulação inocente
sua raiva e sua culpa
ela sabe que não volta
eu também
mais continua em mim.
Os sussuros
Sua vida.
Morre Mary,
todo personagem morre.
Morre Mary e fecha um ciclo
e o que virá se inicia
ou se confunde.
Um dia um ator famoso disse que personagens são como orixás
procurando por algum ator que os incorpore.
Chove dentro de alta fantasia.

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Digo.


Corria atrás das palavras

que lhe fugiam como insetos chatos.

Sabia o que dizer e como dizer

mas elas fugiam

sempre na pior hora.

Estranho mundo das palavras

de personalidades vis.

Dizem que dizem

mas nada dizem

ou nada sabem.

Ás vezes ela perde feio

pro olho

pros dedos

pras rugas

esses sim

sabem pronunciar o que sentem.

E ela continua a correr

pois se sente só

sem as palavras

sem o dom de saber

procurá-las.

Mas talvez não queira

e as ache um tanto quanto

insignificantes

hipócritas

arrogantes

como é arrogante e mentiroso o mundo de quem tem o dom das palavras

bem ditas e dizidas e didizidas

dizem que dizem

que pensam

que falam

que, que , que , que...

palavras

Ela só as encontrava

e as sentia próximas, reais, verdadeiras...

na caixa mágica cheia de luzes

alí no palco

do teatro

ela encontrava todas

e as dizia pela boca, orelha, nariz, pele, olho...

domingo, 26 de agosto de 2007

Via Láctea.


Irmersos na nuvem de fumaça

eles caíram

e voaram

colocaram uma roupa nova

abriram a porta e sairam

ao invés de luz, tinha tiroteio no fim do túnel

uma ladeira enorme

e eles escorregaram

sentindo o cheiro de fio queimado.

Enquanto isso na enfermaria

uma mulher barriguda e de pé torto

aparecia cantando sucessos populares.

Segunda...

feira?

chance?

vida?

Ela só queria uma segunda.

E aquele moço

que carregava nos olhos o pânico do mundo

anunciava tragédias

e resumia o desespero de um país.

Tudo aconteceu durante a queda

e só eles viram

seres fantásticos que se escondem no país da razão

seja como for

é uma dor que dói no peito.

Mas queimaram o filme.

No fim do percursso

um amontoado de insignificancias

que não fizeram nenhuma diferença

e tudo valeu a pena

apenas pelo percursso

mesmo se as estrelas começassem a cair

e nos queimasse

tudo ao redor.

Me diz, me diz, pra onde a gente vai fugir?



quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Dionísio.


E o ciclo se fecha com uvas e vinho

Com bastõs, com máscaras coloridas

Brilho.

Com o olhar e a benção de Dionísio.

Força, fé e luz

Luz de um filme que assito todos os dias,

cheio de flash backs

cheio de partes chatas,

partes lindas

partes que partem e ficam

ficam entranhadas

no meu ser

no meu fazer

ser

outro ser e outras muitas vidas que foram e virão.

Festa de casamento é sempre bela

Mas os anos que se seguem nem sempre.

A não ser quando há amor

esse viajante solitário

sem bússola da fé ou da ideologia

vagando pelos labirintos.

Coração e mente

atuação.

Na estrada espero ter peito e alma

para encarar a mesma sensação

dos palhaços correndo no tapete vermelho

do vulto que se passa na mente

quando coisas inesperadas acontecem

preenchendo o corpo inteiro, e o que tem além dele.

Como em todos os dias de espetáculo

como se fosse pela primeira vez

vendo as cores do pôr-do-sol

nas luzes dos refletores

Evoé Baco!

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Lágrima.


Escorre silenciosa,

empurrada por um turbilhão de pensamentos.

Pesada e singela.

Ás vezes ela vem enfileirada, uma após outra

como se fossem únicas

como se fossem um rio corrente

ou uma cachoeira

com seu arroubo violento.

Acompanha um sorrisso

ou um olhar trágico

Está no rosto das crianças mimadas

da menina com fome

do perdedor

do ganhador

da filha que vai embora

do casal divorciado

dos que a possuem sem ao menos saber o porque.

Está no rosto da atriz

que as repete

em todos os dias de espetáculo.

Está na platéia que a acompanha.

Está em toda parte

a água do mundo

que nenhum aquecimento global secará.

E continuará a escorrer

pra dentro ou pra fora

mesmo que doa

mesmo que alivie

silenciosa ou gritante

nervosa ou feliz

a água

que lava

a alma

e faz bem pros olhos

quando escorre

dos buracos

do seu corpo

a água

salgada que nem mar.



terça-feira, 14 de agosto de 2007

Mary.

Andava desorientada e ouvindo ecos.

Ouvia os gritos se juntando ao som do hino.

Sentia medo e culpa

Iria enforcar várias mulheres e homens,

destruindo assim muitos lares

fazendo com que órfãos vagassem de casa em
casa.

Inclusive aqueles que ela cuidava com tanto carinho.

Via Elisabeth cantando uma canção de ninar toda noite.

Aquela paz calma e tranquila, que se sucedia, dia após dia

estava desmoronando diante de seus olhos

diante de cada palavra em falso que pronuciava.

Se sentia como uma boneca espetada por uma agulha

Começava a ver os espíritos que antes fingia ver, a atacando, e arrancando toda migalha de

dignidade que ainda restara no seu corpo.

E assim ela traiu sua vila

Fez feliz suas amigas que a abandonariam logo depois

e morreu

na sua própria forca.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Fotografia.




E eles andavam seguindo o fluxo


do trânsito, da pista, da linha da vida,


muitas vezes dando umas escapadas pela contramão.


Ela seguia andando reto


as vezes dando umas olhadinhas para o lado


para ver a expressão dele,


que seguia com os olhos vidrados nela,


e nele


e em frente


e nos lados.


Ele lhe dizia para ter calma


Ela carregava a urgência nos olhos.


Ele sabia exatamente aonde iriam chegar


havia planejado todo o percursso.


Ela se sentia perdida


de repente todas as setas ficaram embaralhadas.


Mas ele lhe dava a mão


e ela seguia.


Ela acreditava.


Ele acreditava.


Pelo menos vislumbravam um mesmo fim.


Os passos dele eram lentos, tortos.


Os dela corriqueiros, retos.


Ele tinha nas mãos uma grande sabedoria.


Ela tinha nas mãos alguns livros e letras.


Ele fotografou tudo que viu no caminho,


a dor, o desespero, a decepção.


Ela guardou todas as fotos


como quem guarda relíquias sagradas.


E guardou também suas próprias fotos


e ficou com as dele na lembrança.


Todos os olhares


Todas as dúvidas


Todos os medos.


Porque ela sabia que ele nunca gostou de sair em fotografia.


E se lembraria disso


no fim do percursso


como quem ri de uma foto antiga.








quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Desdém.


Os olhos ameaçadores

lhe lançaram questões.

Questões pelas quais ela só respondia ao avesso, pois as perguntas eram sempre ao contrário.

Mas pela primeira vez ela se sentia no estranho papel dos tiranos

daqueles que mandam e desmandam,

naquele papel que ela conhecia tão mal.

E se jogou, mesmo sem saber.

Caiu, caiu naquela armadilha em forma de abismo

as armadilhas que se escondem em algum canto de cada mente onde mora o caos.

e assim ela prosseguia destruindo os caminhos

as vilas, as casas e as flores

ela detestava as flores

especificamente aquela que tinha posto numa redoma,

e prometido cuidado e amor eterno.

Assim ela seguia os seus dias de vilania.

Sentindo o gosto amargo da destruição lenta e gradual,

vendo as coisas mais belas do mundo desfalecendo num simples estar.

Era o seu olhar de désdem

esse olhar terrível de um nojento ser superior que se instalou em seu ser.

Agora ela estava tomada

e não sabia como retomar.

Se tudo isso realmente existia

ninguém diria,

não tinha como saber

Suspeitava ser tudo uma invenção dos espinhos

daquela flor

que outrora a acusara

de destruir seu mundo

e esquecê-la na redoma

seca e sem água

esperando o vento chegar

e arrancar suas últimas pétalas

de dor.





sábado, 28 de julho de 2007

Chocolate meio amargo.


Hoje tem pavê de morango e chocolate

aquele que eu tanto quis receita.

Tem gosto de leite condensado

chocolate meio amargo e picado

pelas mãos que o esmagarram e o jogaram no chão.

Esfaquearam.

Morangos dilacerados e cortados até o talo.

A noite será doce, gordurosa e suculenta.

Amanhã,

Talvez apenas lambidas violentas na vasilha

e saudade do aroma que se foi

do que era doce e se acabou

da receita que não aprendeu.

É como aquelas que precisam de toques mágicos

da sua mão,

e do gosto amargo.

O chocolate é meio amargo.


segunda-feira, 16 de julho de 2007

Espinho.


Espinho espeta, fura e machuca.

Mesmo com uma redoma circular

O vento que soprou do lado inesperado

desorientou o que já havia se orientado

uns transtornos

tortos de

vertigem com náuseas

que entortaram o cabo

e deixou tudo inundado com água salgada.

Toda flor

exala um pouco de dor em seu espinho.

sábado, 7 de julho de 2007

Fim.


Chuva

chove

leva

tudo

trás só o que é bom

pela água afora

brincando de novo

sem alça

sem cinto de segurança

sem espelho

sem água

sem nada

sem lágrima

que escorre

e limpa

o que tá guardado

na voz

na tua voz

que me diz

que eu devo me jogar

no abismo

abismo

fim.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Réplica.


Hoje o acaso errou feio,
colocando a seta bem longe do alvo.
Do texto nunca lido e que ela conhecia tão bem,
muito bem.
Sabia de có algumas réplicas.
Tantas réplicas que a conheciam tão intimamente bem que chegou a pensar que era melhor nunca terem saído da sua boca, da sua entonação.
Malditas e reveladoras réplicas
de mal presságio.
Pelo menos assim soavam, ao saírem de sua língua, naquele tom.
E aquela réplica, tão inocente coitada, não sabia que encerrava alí o fim de um discursso.
Pensando ela estar brilhando esplendorosa em sua pomposa vaidade.
A vaidade das réplicas que pensam bailar sobre o ar, sem nenhum suporte, numa falsa independência.
Que graça tem saber o fim do caminho
quando se caminha rumo ao nada?
Vai embora réplica
mas não diz porque
se não o acaso te busca
e não se sabe o fim da estrada.
Estrada, entrada, cada, nada.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Minha estante.


Dorme em cima do ontem,

que amanhã terá tudo de novo.

Na saia suja de poeira velha

daquele ensaio no qual se errou, se acertou e entonteceu

Dos livros que não foram lidos e que serão relidos amanhã.

Na mochila entreaberta na qual se tira e se coloca tudo, sem pudor.

Nos rascunhos de anteontem

Nas músicas do ano passado

Nas contas de todo mês

Junta, acumula, guarda.

Passa por cima do futuro que o passado retorna, sem dó nem piedade, e abala todo o hoje.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Maldito pescoço.


Entre Arthur Miller e Nelson Rodrigues muitas coisas aconteceram.Muitas coisas não aconteceram.

As duas irmãs se amarão um pouco menos e alguns amantes se amarão um pouco mais.

Mary Warren tem medo de que seu pescoço seja quebrado na forca, mal sabia ela que um pescoço pode enforcar muitas horas.

O maldito pescoço.Será assim, sempre assim.

O tempo teme em passar corrido como as horas, mesmo com tanto trabalho,cimento e um certo travesseiro de vidro. Contigo não tenho medo de nada.