quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

chuv.AR.

E tudo aconteceu naquele instante.
Molhada de chuva numa rua escura
enxarcada de água nos olhos.
Percebia-se uma certa frieza em seu olhar
como se tivessem partido
aquele tal gelo brilhante que anda no canto dos olhos.
Não eram tempos de flores
eram dias de chuvas devastadoras
tempos de maços de cigarros vagabundos
rastros de lama nas solas dos sapatos imundos
sapatos altos e caros
quebrados e enlamaçados.
Correu.
Correu sem quê nem pra quê.
apenas correu
vento gelado de tempestade no rosto
raios e trovões
como num momento trágico, de um filme triste.
Corria.
Corria cada vez com mais dificuldade.
Água no tecido da roupa pesa.
Águas que se desprendem dos olhos também.
E no caminho
enxarcada de chuva e vencida pelo cansaço
a menina parou.
Existia um limite inalcansável, dentro do se próprio limite
Então, a menina agarrou
com toda força que tinha
todo o ar que podia respirar.
E sempre que chove
ela corre na chuva
sempre que chove
ela respira
e nesse instante
não há limites.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Menina bonita bordada de caos.


A cada passo torto
quebrava um vaso de flores
por isso contava os passos
pra dar mais leveza ao desastre.
Teria uma sisma por caminhos tortuosos
ou uma predisposição ao precipício?
Rodava, girava e rodava
mas o ar nunca alcançava.
Ia contando e recortando o caos, pintado de veias coloridas.
às vezes andava com fogo
acendia um isqueiro e incendiava
queimava as bordas
de qualquer papel de carta e rodava...
a menina do caos.
diziam que era sina
transformar tudo que rima
em algum poema que desafina.
Vai ver era só dizer a ela...
"moça por favor, cuida bem de mim."

domingo, 6 de setembro de 2009

Carta à Mafalda.


Mafalda, minha muito querida


Ando tão passional... Não, não são os novos amores. Tampouco os antigos, estes já se cristalizaram no meu sangue- irremediáveis. Escrevi ao Joaquim por esses dias, contava lhes da minha inquietude, da minha crença no ceticísmo como único terreno realmente firme. Não quero dar a esta carta um tom de melancolia tão propriamente meu. Tenho lutado a favor do pragmatismo dos modernos – Romantismo, geração segunda, eu sentada na varanda ao meio dia. Irrespirável. Os dias frios - nesta cidade quente - refletem as minhas produções irregulares. Sou feita de chuva, você bem sabe. A mente que passeia pela baía de Guanabara, olhos que pairam sobre a de todos os santos. Seis meses de solidão à minha espera. Só a Ana e eu, cada qual com a sua solidão mais obvia. Ela jura que cai das páginas para os meus braços (tantas paráfrases, aquele índice Onomástico que eu juraria ter sido feito por minhas próprias mãos. Não importa tanto). Mas saio de mim e me estendo a você. Quero saber dos seus dias. Dos seus dois quereres e planinhos sempre à mãos. Será que algum dia, em um desses tantos palcos, você não interpretou você mesma? Acho que um dia lhe lerei. Mergulhar num café surreal e respirar 40 anos de Beatles. Registros embebecidos e gosto de chocolate na boca? O nosso menino especial a dirigir além do carro toda aquela situação que já me compõe? Leio Adélia e leio você. Adorável compatibilidade. Aparece. Não prometo tipicidades no Sábado, mas um blues, mentes pra todos os gostos, licor pelos sorrisos.


Sua Líz.


*Um presento bonito, de quem sempre faz falta.
Thank you Líz.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Meu.


Ela teve um labririnto na infância

aprendeu que quanto mais se perdia

mais se encontrava.

Dentro do labirinto,

compreendeu que não existe um só caminho

que não existe uma só possibilidade

as vezes pela direita haviam monstros

e pela esquerda aqueles sonhos esquisitos de criado-mudo.

Ela nunca teve medo de mostros no armário

apenas de sonhos de criado-mudo.

sonhos de olhos abertos.

Ele nunca abria os olhos enquanto ela gritava.

Ele nunca se movia enquanto ela batia,

ela teria que aprender a gritar

dizia ele

sem ninguém para apartar.

Ela tem que aprender a correr,

dizia ele,

sem ninguém para se agarrar.

Ela tem que andar numa corda-bamba, elegante como uma bailarina.

As vezes preferiria não ter sujado tanto as mãos de terra

mas hoje sente falta de balançar na mangueira

dos livros esquisitos

e de ver o mundo mais mais alto que as outras crianças.

Um dia ele matou uma cobra, pra vingar seu coelho,

ela gostou

depois chorou

nem cobra

nem coelho.

tanto faz.

Obrigada,

por sempre me confundir

e por me fazer fugir

das comidas que eu nunca comi

das orações que eu nunca entendi

das idéias que eu nunca aprendi

das músicas que eu nunca quis ouvir

e do mar, que um dia quis me engolir.


For my father.

with love.

Sacudindo palavras.


O metrô se aproxima.

Elas já podem sentir
aos poucos
o vento
que vai
balançando
seus cabelos
o barulho
que vai
incomodando seus ouvidos

então, elas se olham e gritam:

-Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!

As pessoas ao redor as olham atônitas... só podem ser malucas, afinal, nem crinaças são.

Mas as garotas continuaram a berrar, até todos ao seu redor começarem a se calar. Sem motivo, sem obrigações, sem nada, apenas gritaram e calaram.


Doutro lado do mundo outras questões:


- Vamos pular?

-Vamos.

-E se doer?

- Daí já terá doido, não importa mais.

- Também acho.

-Então vamos?

-Vamos.

E numa cidadezinha da Alemanha, um judeu, que passou 11 meses mais ou menos dentro de um porão, saí para dar uma espiada pela janela, numa noite de bombardeio, seus olhos ardem, há um motivo:

- Haviam estrelas, e elas queimaram meus olhos.

Em algum lugar do atlântico, 3 jovens cantam em alto e bom som um legítimo rock and roll e se embriagam de vinho, licor e poesia.

Na rua Himmel (que significa céu, em alemão), existe uma menina que rouba livros e tem um amigo de cabelos cor de limão chamado Rudy, ela tem vontade de ter um dicionário, ela perdeu o irmão num acidente de trem, ela tem um pai adotivo que toca acordeão e pinta janelas em troca de alguns cigarros, ela lê os livros que rouba para distrair uma senhora que perdeu o filho na guerra, ela tem um amigo judeu que mora num porão, ela já disse indelicadezas para a mulher do prefeito mas frequenta a sua biblioteca para roubar livros e comer alguns biscoitos.

Ela nunca quis beijar Rudy

ela já quis beijar Rudy

mas não o fez

se arrempederia amargamente depois.

Ela já teve um livro feito pra ela

era um livro nazista, descolorido e colorido novamente, especialmente para ela.

a sacudidora de palavras.


todas

essas

vidas que acontecem simultâneamente enquanto respiramos, olhamos estrelas, pulamos e nos embriagamos.


sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Até o fim.




- Porque você insiste em fumar até o último trago?
-Sei lá, não gosto de deixar as coisas inacabadas.
- Pois saiba que esse hábito é por demais irritante.
- Não me importo.
-Óbvio. Você nunca se importa.

(Silêncio)


- Eu bem que poderia encontrar pelo menos alguma ponta de sentido para certas coisas.
- E será possível?
- Talvez.
- Talvez,talvez... não teria uma resposta mais inteligente?
- Eu não sou inteligente, eu odeio as pessoas inteligentes.
- Ok, você não é inteligente.
- Se eu fosse um pouco mais ignorante talvez eu soubesse as repostas, ou ao menos, pensaria que sabia das respostas...
- Eu não me importo com as respostas.
- Eu sei, você nunca se importa com nada.

(Silêncio)


- Por quê insistimos em olhar tão adiante, já sabendo que lá a vista não alcança?
- Eu sempre acho que vai alcançar.
- Um dia eu pensei que tivessem alcançado, mas eram apenas luzes de refletores, daquelas que embaçam nossa visão, sabe?
-Sei sim, eu também ví, não há quem não a veja.
- Eu queria ter alcançado, eu queria que o que tivesse por trás de todos aqueles refletores também tivesse me enxergado.
- Seria bonito.
-Seria.

(Silêncio)


-Ei, não adianta forçar mais, você vai acabar se machucando, quebrando a perna, batendo a testa ou qualquer uma dessas inúmeras fatalidades que acontecem na vida.
-Eu sei, mas eu fui até o final, gastei horas e horas mas ví, ao menos um esboço, mas ví.
- O quê você viu?
- Talvez algo tão sublime quanto um sorrisso.
- Ou sarcasmo?

(Silêncio)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Cacos.


E no meio de tantos cacos que tem peso de mil jarros
eu cato toda a história de uma mangueira
que costumava dar frutas,
antes de ser envenenada.
Embaixo das suas folhas se cantava música pop bem alta
e bailava
como se fosse o maior carrossel do mundo.
Amava-se de um amor sem fim
amor de bolinhos de feijão
e mastruz com leite pra curar qualquer dor que lhe aflingisse o peito.
A dona do jarro não sabe que ele se quebrou.
A dona do jarro já possui tantas coisas quebradas, partidas em mil pedacinhos bem significantes.
Precisa-se de novos jarros.
Precisa-se de novos cacos para juntar.
Só assim para entender todos os cacos anteriores.
Um dia eu quero montar um grande jarro
e dentro dele colocar todos os meus cacos.
Nenhum será jogado fora,
nem os mais feios.
Nem aqueles que alguém pisou e transformou em farelos bem miudinhos.
Nem aqueles que eu queria que não fizessem parte do meu jarro.
Até esses eu preciso pôr na minha mala,
talvez ele seja o defeito que sustenta meu alicerce inteiro.
São tantos cacos espalhados que não sei por onde começar.
Ao ir embora seu rosto se enxarcava de água salgada.
Ao ir embora seu rosto se enxarca de água salgada.
Um caco enorme espetou meu dedo
e dói.

É quarta-feira de cinzas, a festa já acabou. Ou começou....