sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Digo.


Corria atrás das palavras

que lhe fugiam como insetos chatos.

Sabia o que dizer e como dizer

mas elas fugiam

sempre na pior hora.

Estranho mundo das palavras

de personalidades vis.

Dizem que dizem

mas nada dizem

ou nada sabem.

Ás vezes ela perde feio

pro olho

pros dedos

pras rugas

esses sim

sabem pronunciar o que sentem.

E ela continua a correr

pois se sente só

sem as palavras

sem o dom de saber

procurá-las.

Mas talvez não queira

e as ache um tanto quanto

insignificantes

hipócritas

arrogantes

como é arrogante e mentiroso o mundo de quem tem o dom das palavras

bem ditas e dizidas e didizidas

dizem que dizem

que pensam

que falam

que, que , que , que...

palavras

Ela só as encontrava

e as sentia próximas, reais, verdadeiras...

na caixa mágica cheia de luzes

alí no palco

do teatro

ela encontrava todas

e as dizia pela boca, orelha, nariz, pele, olho...

domingo, 26 de agosto de 2007

Via Láctea.


Irmersos na nuvem de fumaça

eles caíram

e voaram

colocaram uma roupa nova

abriram a porta e sairam

ao invés de luz, tinha tiroteio no fim do túnel

uma ladeira enorme

e eles escorregaram

sentindo o cheiro de fio queimado.

Enquanto isso na enfermaria

uma mulher barriguda e de pé torto

aparecia cantando sucessos populares.

Segunda...

feira?

chance?

vida?

Ela só queria uma segunda.

E aquele moço

que carregava nos olhos o pânico do mundo

anunciava tragédias

e resumia o desespero de um país.

Tudo aconteceu durante a queda

e só eles viram

seres fantásticos que se escondem no país da razão

seja como for

é uma dor que dói no peito.

Mas queimaram o filme.

No fim do percursso

um amontoado de insignificancias

que não fizeram nenhuma diferença

e tudo valeu a pena

apenas pelo percursso

mesmo se as estrelas começassem a cair

e nos queimasse

tudo ao redor.

Me diz, me diz, pra onde a gente vai fugir?



quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Dionísio.


E o ciclo se fecha com uvas e vinho

Com bastõs, com máscaras coloridas

Brilho.

Com o olhar e a benção de Dionísio.

Força, fé e luz

Luz de um filme que assito todos os dias,

cheio de flash backs

cheio de partes chatas,

partes lindas

partes que partem e ficam

ficam entranhadas

no meu ser

no meu fazer

ser

outro ser e outras muitas vidas que foram e virão.

Festa de casamento é sempre bela

Mas os anos que se seguem nem sempre.

A não ser quando há amor

esse viajante solitário

sem bússola da fé ou da ideologia

vagando pelos labirintos.

Coração e mente

atuação.

Na estrada espero ter peito e alma

para encarar a mesma sensação

dos palhaços correndo no tapete vermelho

do vulto que se passa na mente

quando coisas inesperadas acontecem

preenchendo o corpo inteiro, e o que tem além dele.

Como em todos os dias de espetáculo

como se fosse pela primeira vez

vendo as cores do pôr-do-sol

nas luzes dos refletores

Evoé Baco!

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Lágrima.


Escorre silenciosa,

empurrada por um turbilhão de pensamentos.

Pesada e singela.

Ás vezes ela vem enfileirada, uma após outra

como se fossem únicas

como se fossem um rio corrente

ou uma cachoeira

com seu arroubo violento.

Acompanha um sorrisso

ou um olhar trágico

Está no rosto das crianças mimadas

da menina com fome

do perdedor

do ganhador

da filha que vai embora

do casal divorciado

dos que a possuem sem ao menos saber o porque.

Está no rosto da atriz

que as repete

em todos os dias de espetáculo.

Está na platéia que a acompanha.

Está em toda parte

a água do mundo

que nenhum aquecimento global secará.

E continuará a escorrer

pra dentro ou pra fora

mesmo que doa

mesmo que alivie

silenciosa ou gritante

nervosa ou feliz

a água

que lava

a alma

e faz bem pros olhos

quando escorre

dos buracos

do seu corpo

a água

salgada que nem mar.



terça-feira, 14 de agosto de 2007

Mary.

Andava desorientada e ouvindo ecos.

Ouvia os gritos se juntando ao som do hino.

Sentia medo e culpa

Iria enforcar várias mulheres e homens,

destruindo assim muitos lares

fazendo com que órfãos vagassem de casa em
casa.

Inclusive aqueles que ela cuidava com tanto carinho.

Via Elisabeth cantando uma canção de ninar toda noite.

Aquela paz calma e tranquila, que se sucedia, dia após dia

estava desmoronando diante de seus olhos

diante de cada palavra em falso que pronuciava.

Se sentia como uma boneca espetada por uma agulha

Começava a ver os espíritos que antes fingia ver, a atacando, e arrancando toda migalha de

dignidade que ainda restara no seu corpo.

E assim ela traiu sua vila

Fez feliz suas amigas que a abandonariam logo depois

e morreu

na sua própria forca.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Fotografia.




E eles andavam seguindo o fluxo


do trânsito, da pista, da linha da vida,


muitas vezes dando umas escapadas pela contramão.


Ela seguia andando reto


as vezes dando umas olhadinhas para o lado


para ver a expressão dele,


que seguia com os olhos vidrados nela,


e nele


e em frente


e nos lados.


Ele lhe dizia para ter calma


Ela carregava a urgência nos olhos.


Ele sabia exatamente aonde iriam chegar


havia planejado todo o percursso.


Ela se sentia perdida


de repente todas as setas ficaram embaralhadas.


Mas ele lhe dava a mão


e ela seguia.


Ela acreditava.


Ele acreditava.


Pelo menos vislumbravam um mesmo fim.


Os passos dele eram lentos, tortos.


Os dela corriqueiros, retos.


Ele tinha nas mãos uma grande sabedoria.


Ela tinha nas mãos alguns livros e letras.


Ele fotografou tudo que viu no caminho,


a dor, o desespero, a decepção.


Ela guardou todas as fotos


como quem guarda relíquias sagradas.


E guardou também suas próprias fotos


e ficou com as dele na lembrança.


Todos os olhares


Todas as dúvidas


Todos os medos.


Porque ela sabia que ele nunca gostou de sair em fotografia.


E se lembraria disso


no fim do percursso


como quem ri de uma foto antiga.








quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Desdém.


Os olhos ameaçadores

lhe lançaram questões.

Questões pelas quais ela só respondia ao avesso, pois as perguntas eram sempre ao contrário.

Mas pela primeira vez ela se sentia no estranho papel dos tiranos

daqueles que mandam e desmandam,

naquele papel que ela conhecia tão mal.

E se jogou, mesmo sem saber.

Caiu, caiu naquela armadilha em forma de abismo

as armadilhas que se escondem em algum canto de cada mente onde mora o caos.

e assim ela prosseguia destruindo os caminhos

as vilas, as casas e as flores

ela detestava as flores

especificamente aquela que tinha posto numa redoma,

e prometido cuidado e amor eterno.

Assim ela seguia os seus dias de vilania.

Sentindo o gosto amargo da destruição lenta e gradual,

vendo as coisas mais belas do mundo desfalecendo num simples estar.

Era o seu olhar de désdem

esse olhar terrível de um nojento ser superior que se instalou em seu ser.

Agora ela estava tomada

e não sabia como retomar.

Se tudo isso realmente existia

ninguém diria,

não tinha como saber

Suspeitava ser tudo uma invenção dos espinhos

daquela flor

que outrora a acusara

de destruir seu mundo

e esquecê-la na redoma

seca e sem água

esperando o vento chegar

e arrancar suas últimas pétalas

de dor.